Fortaleza de Pedro e Paulo, Petersburgo, 18 de julho de 1849. Querido irmão, Não tenho palavras para expressar minha alegria por sua carta, que recebi no dia 11 de julho. Finalmente você está livre e posso imaginar claramente como você deve ter ficado feliz quando pode rever sua família novamente. Com que impaciência eles devem tê-lo esperado! Percebo que a sua vida começa a ganhar novos contornos agora. Com que está ocupado agora e, sobretudo, quais são os meios que você tem para se sustentar? Tem trabalhado? E em que trabalhas? O verão é de fato um fardo na cidade. E você me conta que se mudou para um novo apartamento, provavelmente menor. É uma pena você não poder passar o verão inteiro no campo. Agradeço as encomendas que me enviou; elas trouxeram alívio e distração. Você me pede, meu querido amigo, que eu não desanime. De fato, não estou desanimado; para ser franco, a vida aqui é muito monótona e sombria, mas de que outra forma poderia ser? E, no fim das contas, não é assim tão tediosa.O tempo aqui passa de forma muito irregular, digamos assim – ora muito rápido, ora lento demais. Algumas vezes tenho a sensaçao de que eu me acostumei a esse tipo de vida, e que nada mais importa muito. Claro que tento manter todas as tentações fora da minha mente, mas nem sempre consigo; meus primeiros anos, com suas vivas impressões, invadem minha alma e eu vivo novamente no passado. Essa parece ser, estranhamente, a ordem natural das coisas. Agora os dias são quase sempre ensolarados e me sinto um pouco mais animado. Os dias chuvosos, contudo, são insuportáveis e neles a prisão parece terrivelmente lúgubre. No entanto, tenho me ocupado. Não deixo o tempo passar a toa e já elaborei a trama de três contos e dois romances – e estou escrevendo um romance agora, mas tenho medo de trabalhar demais. Um trabalho como esse, quando faço com grande contentamento (eu nunca trabalhei tanto con amore (como agora), sempre me deixa agitado e afeta os nervos. Enquanto eu estava em liberdade, eu sempre me via obrigado a intercalar meus afazeres com outras diversões para acalmar-me; mas aqui a excitação que vem do trabalho tem que passar por si só. Minha saúde é boa, exceto por uma crise de hemorroidas e pelo estado lastimável de meus nervos, que seguem em um constante crescendo. Vez por outra, tenho falta de ar, meu apetite é insatisfatório como sempre, durmo mal e tenho sonhos mórbidos. Durmo cerca de cinco horas durante o dia, e acordo pelo menos quatro vezes toda noite. Isto é a única coisa que realmente me incomoda. O pior de tudo é o anoitecer. Às nove da noite é realmente escuro aqui (3). Eu não costumo pegar no sono até uma ou duas da manhã, e as cinco horas que preciso ficar deitado na total escuridão são difíceis de suportar. Elas destroem a minha saúde mais que qualquer outra coisa. Quando nosso caso será concluído é algo que não sei dizer, pois perdi totalmente a noção do tempo. Somente uso um calendário sobre o qual marco, muito passivamente, cada dia que passa: “Um a menos!” Não tenho lido muito desde que estou aqui: dois relatos de viagem “a Terra Santa e as obras de Dimitri de Rostov (*). . Esse último interessou-me vivamente; mas esse tipo de leitura é apenas uma gota no oceano; qualquer outro tipo de livro, imagino eu, iria deliciar-me imensamente. Seria até mesmo saudável poder interromper meus pensamentos ou construir novas perspectivas. Aqui você tem todos os detalhes de minha presente existência – não tenho mais nada a dizer. Estou feliz que tenha encontrado sua família com boa saúde. Já escreveu a Moscou contando da sua libertação? É uma lástima que nada esteja resolvido aqui. Como eu gostaria de passar ao menos um dia com você” Já se vão três meses desde que vim para esta fortaleza: o que não estará a nossa espera! Provavelmente eu não irei, por todo o verão, ver uma folha verde sequer. Lembra-se de quando nos levavam para caminhar no pequeno jardim no mês de maio? O verde estava apenas começando a nascer, e eu não podia parar de pensar em Reval, quando estive com você naquela temporada, e no jardim da Escola de Engenharia. Eu imagino que você as mesmas comparações que eu – como eu era triste. E eu gostaria de ver outras tantas pessoas também. Quem você tem visto mais ultimamente? Imagino que todos estejam no campo. Mas o nosso irmão Andrei certamente está na cidade, não? Você tem visto Nicolai? Saúde-os por mim. Beije os seus filhos por mim também. Mande minhas saudações a sua esposa e diga a ela que fiquei profundamente comovido em saber que ela pensa em mim. Não fique ansioso demais por minha causa. Tenho um único desejo – gozar de boa saúde; o tédio é um problema passageiro, e a boa disposição depende, enfim, de meus próprios esforços. Os seres humanos têm uma incrível resistência e vontade de viver; nunca esperei encontrar tanto em mim mesmo; agora sei por experiência própria. Adeus! Espero que essas poucas linhas levem a você alguma alegria. Saúde a todos que você encontrar e que eu conheça – não esqueça ninguém. Não me esqueci de ninguém. O que estarão as crianças pensando de mim, e como explicar para elas meu desaparecimento? Até breve. Se conseguir, mande-me o “Anais da Pátria”. Assim eu terei, de verdade, algo para ler. Escreva-me umas poucas linhas – isso me alegraria imensamente. Até logo! Seu irmão, F. dostoievski (extraída do livro Correspondências Dostoivski 1838-1880, Editora Inverso) ________________________________________________________________________

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Querido irmão,
Não tenho palavras para expressar minha alegria por sua carta, que recebi no dia 11 de julho. Finalmente você está livre e posso imaginar claramente como você deve ter ficado feliz quando pode rever sua família novamente. Com que impaciência eles devem tê-lo esperado! Percebo que a sua vida começa a ganhar novos contornos agora. Com que está ocupado agora e, sobretudo, quais são os meios que você tem para se sustentar? Tem trabalhado? E em que trabalhas?  O verão é de fato um fardo na cidade. E você me conta que se mudou para um novo apartamento, provavelmente menor. É uma pena você não poder passar o verão inteiro no campo.
Agradeço as encomendas que me enviou; elas trouxeram alívio e distração. Você me pede, meu querido amigo, que eu não desanime. De fato, não estou desanimado; para ser franco, a vida aqui é muito monótona e sombria, mas de que outra forma poderia ser? E, no fim das contas, não é assim tão tediosa.O tempo  aqui passa de forma muito irregular, digamos assim – ora muito rápido, ora lento demais. Algumas vezes tenho a sensaçao de que eu me acostumei a esse tipo de vida, e que nada mais importa muito. Claro que tento manter todas as  tentações fora da minha mente, mas nem sempre consigo; meus  primeiros anos, com suas vivas impressões, invadem minha alma e eu vivo novamente no passado. Essa parece ser, estranhamente, a ordem natural das coisas. Agora os dias são quase sempre ensolarados e me sinto um pouco mais animado. Os dias chuvosos, contudo, são insuportáveis e neles a prisão parece terrivelmente lúgubre. No entanto, tenho me ocupado. Não deixo o tempo passar a toa e já elaborei a trama de três contos e dois romances – e estou escrevendo um romance agora, mas tenho medo de trabalhar demais. 
Um trabalho como esse, quando faço com grande contentamento (eu nunca trabalhei tanto con amore (como agora), sempre me deixa agitado e afeta os nervos. Enquanto eu estava em liberdade, eu sempre me via obrigado a intercalar meus afazeres com outras diversões para acalmar-me; mas aqui a excitação que vem do trabalho tem que passar por si só. Minha saúde é boa, exceto por uma crise de hemorroidas e pelo estado lastimável de meus nervos, que seguem em um constante crescendo. Vez por outra, tenho falta de ar, meu apetite é insatisfatório como sempre, durmo mal e tenho sonhos mórbidos. Durmo cerca de cinco horas durante o dia, e acordo pelo menos quatro vezes toda noite. Isto é a única coisa que realmente me incomoda. O pior de tudo é o anoitecer. Às nove da noite é realmente escuro aqui (3). Eu não costumo pegar no sono até uma ou duas da manhã, e as cinco horas que preciso ficar deitado na total escuridão são difíceis de suportar. Elas destroem a minha saúde mais que qualquer outra coisa. Quando nosso caso será concluído é algo que não sei dizer, pois perdi totalmente a noção do tempo. Somente uso um calendário sobre o qual marco, muito passivamente, cada dia que passa: “Um a menos!”
Não tenho lido muito desde que estou aqui: dois relatos de viagem “a Terra Santa e as obras de Dimitri de Rostov (*). . Esse último interessou-me vivamente; mas esse tipo de leitura é apenas uma gota no oceano; qualquer outro tipo de livro, imagino eu, iria deliciar-me imensamente. Seria até mesmo saudável poder interromper meus pensamentos ou construir novas perspectivas.
Aqui você tem todos os detalhes de minha presente existência – não tenho mais nada a dizer. 
Estou feliz que tenha encontrado sua família com boa saúde. Já escreveu a Moscou contando da sua libertação? É uma lástima que nada esteja resolvido aqui. Como eu gostaria de passar ao menos um dia com você” Já se vão três meses desde  que vim para esta fortaleza: o que não estará a nossa espera! Provavelmente eu não irei, por todo o verão, ver uma folha verde sequer. Lembra-se de quando nos levavam para caminhar no pequeno jardim no mês de maio? O verde estava apenas começando a nascer, e eu não podia parar de pensar em Reval, quando estive com você naquela temporada, e no jardim da Escola de Engenharia. Eu imagino que você as mesmas comparações que eu – como eu era triste. E eu gostaria de ver outras tantas pessoas também. Quem você tem visto mais ultimamente? Imagino que todos estejam no campo. Mas o nosso irmão Andrei certamente está na cidade, não? Você tem visto Nicolai? Saúde-os por mim. Beije os seus filhos por mim também. Mande minhas saudações a sua esposa e diga a ela que fiquei profundamente comovido  em saber que ela pensa em mim. Não fique ansioso demais por minha causa. Tenho um único desejo – gozar de boa saúde; o tédio é um problema passageiro, e a boa disposição depende, enfim, de meus próprios esforços. Os seres humanos têm uma incrível resistência e vontade de viver; nunca esperei encontrar tanto em mim mesmo; agora sei por experiência própria. Adeus! Espero que essas poucas linhas levem a você alguma alegria. Saúde a todos que você encontrar e que eu conheça – não esqueça ninguém. Não me esqueci de ninguém. O que estarão as crianças pensando  de mim, e como explicar para elas meu desaparecimento? Até breve. Se conseguir, mande-me o “Anais da Pátria”. Assim eu terei, de verdade, algo para ler.
Escreva-me umas poucas linhas – isso me alegraria imensamente.
Até logo! 
Seu irmão, F. dostoievski

(extraída do livro  Correspondências Dostoivski 1838-1880, Editora Inverso)
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