Com 2ª maior população indígena do país, debate sobre o Marco Temporal segue sem consenso em MS

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Em Mato Grosso do Sul, estado com a segunda maior população indígena do Brasil – aproximadamente 70 mil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) – o debate sobre o Marco Temporal segue sem consenso entre lideranças indígenas, ruralistas e políticos. As opiniões divergem e todos esperam por um definição: a votação contra ou à favor por parte do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nesta quarta-feira (15), o ministro do STF Alexandre de Moraes fez pedido de vista, e o retorno para a votação da tese fica sem data fixada para o julgamento. O ministro pode analisar o processo pelo tempo que achar necessário e só então devolver o caso ao plenário do STF. Agora, está suspenso o julgamento sobre aplicação da tese do “marco temporal” na demarcação de terras indígenas no país.

Não só no STF, e em Mato Grosso do Sul também o debate segue. Pela tese do Marco Temporal, indígenas só poderiam reivindicar demarcações de terras nas quais já estivesse antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.

O produtor rural Ricardo Bacha, dono de uma fazenda, em Sidrolândia (MS), a 58 km de Campo Grande, teve a sua propriedade como palco para um conflito contra os nativos. Em 2013, um indígena morreu durante uma reintegração de posse, na terra que até então era de Bacha.

“Tenho uma questão que está sub judicie no Supremo Tribunal Federal, com interpelação feita pela Funai, e não definem se acatam ou não acatam. Nós estamos aguardando esta última deliberação do Supremo para tentarmos receber aquilo que nos foi esbulhado, receber as terras nuas, as benfeitorias e aquilo que nos foi roubado diretamente”, comenta Bacha.

O ruralista é à favor da tese que segue em apreciação no STF. Para ele, “é um absurdo o STF estar debruçado sobre este tema que já foi definido pela Constituição, que foi promulgada em 1988”.

“Eu acho um absurdo estarmos debruçados nisso neste momento. Acho que a tese deve ser aprovada. A Constituição é clara. O constituinte não deixou dúvida, aí os arranjos interpretativos levaram para a estas novas interpretações”, expressa.

Do outro lado da discussão, o líder indígena Lindomar Terena espera pela rejeição da tese do Marco Temporal por parte do STF.

A liderança frisa, que em um futuro com a reprovação do texto, em Mato Grosso do Sul terá que existir uma garantia para os territórios do povos indígenas que estão ou possam vir estar em processo de demarcação.

Lindomar vê que a tese não deve ser aprovada. No ponto de vista da liderança indígena em Mato Grosso do Sul a análise do STF deve levar em consideração vários fatores.

“Isto para os indígenas a gente entende definitivamente a corte maior do Poder Judiciário estaria legitimando, endossando o ato de violência promovida pelo estado brasileiro contra os povos indígenas e a gente espera que, com todo o respeito pelos ministros que estão lá, a gente espera que eles possam rejeitar essa tese”, disse.

Proposta

Mato Grosso do Sul, conforme dados da Fundação Nacional do Índio, tem 63 terras indígenas, dessas, 29 regularizadas, cinco homologadas e 29 em processo de demarcação.

Vale destacar que tramita, no Congresso, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), desde 2015, que sugere indenizar produtores rurais de áreas declaradas como indígenas e homologadas a partir de 5 de outubro de 2013.

Caso a PEC for aprovada, a União seria autorizada a indenizar a terra nua – imóvel rural que não tem nenhum investimento, que é autorizado a utilizar em práticas rurais – e, não somente as benfeitorias a determinada propriedade.

A PEC chegou a ser discutida em 2013 em Mato Grosso do Sul, por integrantes do governo federal, do poder judiciário, indígenas e produtores rurais. O G1 perguntou a dois deputados federais se proposta não resolveria, pelo menos em grande parte, o “problema” acarretado aos ruralistas.

Eu acho que o projeto pacífica esta questão indígena. Não é possível as indenizações serem só em relação às benfeitorias. Isso acaba com que os fazendeiros nunca abram a mão da sua terra e fica essa briga eterna, indo até ao Supremo, e não resolve a questão indígena. A partir do momento que possa pagar a terra, não só as benfeitorias, acho que isso avança na questão indígena e mais justo com os fazendeiros que acabam perdendo suas terras.
— Dagoberto Nogueira (PDT)
A união via governo não estimula, muito ao contrário, a sua aprovação. Porque alega que não suportaria o impacto financeiro dela decorrente, entretanto, a subsistência com este conflito é muito mais custoso para o país, no que diz respeito a segurança jurídica e imagem para o exterior, do que a assunção desta obrigação. Desta forma, defendo sim o direito da terra nua e trabalho na Câmara para remover os obstáculos políticos a fim de ver a PEC aprovada.

Pelo critério do “marco temporal”, índios só podem reivindicar a demarcação de terras nas quais já estivessem estabelecidos antes da data de promulgação da Constituição de 1988.

O marco temporal é uma tese que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acolheu em 2013 ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (antiga Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente – Fatma) reintegração de posse de uma área que está em parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ e onde vivem os povos xokleng, guarani e kaingang. Na ocasião, o TRF-4 manteve decisão tomada em 2009 pela Justiça Federal em Santa Catarina.

O STF julgará um recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai) que questiona a decisão do TRF-4.

A discussão põe ruralistas e povos originários em lados opostos.

A decisão pode definir o rumo de mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto no país. Indígenas de todo o Brasil acamparam na Esplanada dos Ministérios em protesto contra o marco. Eles promoveram manifestação pelas ruas da capital federal.

A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado “direito originário” sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados por lei os primeiros e naturais donos desse território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras ocupadas originariamente por esses povos.