Delegada alerta família e dá dicas para perceber casos de estupro de crianças e adolescentes

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Delegada alerta família e dá dicas para perceber casos de estupro de crianças e adolescentes

A maioria dos casos acontece dentro do ambiente familiar e a vítima não conta por se sentir culpada

29 SET 2019
Dany Nascimento
Foto: André de Abreu

O estupro de vulnerável é o crime mais registrado entre os crimes de abuso sexual. Ele é configurado pela prática do ato libidinoso ou conjunção carnal com uma pessoa menor de 14 anos, ou que não tenha capacidade de reagir por ter alguma deficiência física ou intelectual.

De acordo com a delegada titular da DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), Marília de Brito, o isolamento do menor de idade por indicar que algo aconteceu de errado e a família precisa estar atenta ao comportamento da criança ou adolescente.

“Teve alguma modificação brusca de comportamento? É importante analisar isso, buscar a origem. Às vezes, a aproximação demasiada de alguém, ou um antagonismo muito severo com relação aquela pessoa. Queda no rendimento escolar, ansiedade, depressão, automutilação, isolamento. Todos esses são elementos de que alguma coisa está errada. O abuso traz esses sinais. O passo seguinte é buscar entender o que foi que aconteceu, se foi um abuso, se foi uma violência, se foi um fato comum da vida que deixou essa criança desse jeito”, explica a delegada.

Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no dia 10 de setembro, em Mato Grosso do Sul foram registrados 1.934 casos, sendo 84,7% deles, contra mulheres e meninas. Mais de 66 mil registros de violência sexual foram registrados no país no ano passado, sendo mais de 63% são praticados contra crianças e adolescentes de até 13 anos.

Segundo Marília, não existe um perfil específico de abusadores, que podem estar em qualquer lugar e procuram permanecer em ambientes de convívio de crianças. “Locais que dão a ele acesso a essas crianças. Mas também tem aquele abusador de gerações. Que abusa da filha, da neta, da bisneta, da sobrinha, e da geração inteira da família”, afirma.

A delegada destaca ainda que estudos apontam que 75,9% dos casos de estupro de vulnerável são praticados dentro da família, por padrastos, vodrastos, avós, pais, tios, entre outros. “É muito difícil um filho chegar para uma mãe e falar que o pai, o padrasto, o vô ou vodrasto está abusando sexualmente. Encarar tudo aquilo com veracidade e fazer o rompimento do vínculo é uma dor que atinge toda família. Muitas vezes a criança sente vergonha e até culpa e, com isso, acaba não relatando a ninguém o abuso sofrido”.

Confira abaixo outras dicas da delegada:

Danos – Há casos em que a vítima conta, e acaba não sendo levada a sério por quem deveria protegê-la causando danos psicológicos para a vida inteira. “Geralmente o agressor é quem deveria proteger aquela criança. Então aquela criança não tem voz. Porque quem deveria dar a voz e a proteção é quem pratica a violência. Então para aquela criança sair daquele ciclo de violência é muito mais difícil. Geralmente, também, a família tem muita dificuldade de crer na palavra da vítima. E o fato daquele que deveria ter tomado atitude, que deveria ter procurado as autoridades, não ter feito, causa mais dor”, pontua a delegada.

Superação – Para esses casos, há uma situação que segundo ela, é recorrente na DEPCA. O registro postergado é uma libertação para aquela mulher já adulta que carregou por anos a dor da culpa. “São pessoas com 30, 40 anos, que vem até a delegacia registrar ocorrências para notificar fatos de quando eram ainda crianças. A gente registra, e entende que esse é um processo da pessoa. Em alguns casos, os crimes já prescreveram, e não tem mais o contexto. Mas acolhemos e entendemos que esse é um processo da pessoa de vencer aquela barreira, e resolver aquilo consigo mesma”, afirma.

Tempo – O contexto familiar está entre os pontos ressaltados pela titular da DEPCA. “Quando a gente fala de violência contra a criança, estamos falando da base da sociedade que é a família. E o que nós temos que fazer? Fortalecer a família. Buscar a não terceirização da educação do filho. Hoje a gente terceiriza muito. Pouco se sabe da vida do filho, seja ele criança, seja ele adolescente. E quando há essa ausência dos pais, há essa ausência daquele que tem que cuidar, deixando essa criança, esse adolescente mais vulnerável do que ele já é”, descreve, referindo-se a vida moderna, onde compromissos e a correria do dia a dia acabam tomando todo tempo dos pais. A orientação é não deixar o filho sozinho, não deixar com qualquer um, instruir a criança.

Educação – Junto ao fortalecimento da família, a delegada defende a educação no sentido de orientação conforme a idade da criança. “Não é educar para o sexual. Mas a criança tem que ser educada para saber sobre o que é o próprio corpo, o que ela tem direito, o que o outro pode fazer.  Quem que pode toca-la, o que é um toque bom, o que é um toque ruim. Porque muitas crianças, muitas vítimas, elas não entendem que aquilo se trata de um abuso sexual”, afirma, reforçando que não se deve deixar a criança com qualquer pessoa. “Esse é um ponto que a gente tem que conversar, talvez formatar uma política pública clara. Tratar isso de forma mais aberta, para que as crianças sejam devidamente instruídas no sentido de protege-las”.

Ciclo – O abuso de vulnerável é o início de um ciclo que acaba gerando outros tipos de crime. “A gente sabe que a violência de gênero é cultural. Essa visão da mulher, do sexo feminino como objeto, isso vem de muito tempo. Essa violência não passa a existir a partir do momento que a mulher fica adulta. Ela acontece muito antes com as meninas, que são as maiores vítimas, seja com maus tratos ou com abusos sexuais. Como é que a gente vai combater a violência de gênero? Com educação. E a gente tem que trabalhar no combate a esse tipo de crime, que infelizmente a gente sabe que os números de estupro no Brasil todo, a grande maioria são referência a crianças e adolescentes”.