Ditadura militar, 54 anos: regime ‘matou’ políticos e violou direitos de ao menos mil pessoas em MS

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Cinquenta e quatro anos atrás, em 31 de março de 1964, por incitamento  principalmente da elite brasileira, a Igreja Católica, grandes fazendeiros, Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Federal, impôs-se um regime autoritário, a conhecida Ditadura Militar no Brasil.

Tal gestão durou até 1985, por 21 anos. Neste período, aqui em Mato Grosso do Sul, o governo repressor, reinado por militares, pôs a mão forte em quem ousasse desafiá-lo.

Teve trabalhador preso apenas por ouvir programa de rádio, cuja linha editorial divergia da do governo federal, estudantes e sindicalistas detidos em navio, parlamentares, prefeitos e vereadores cassados.

Há ainda o emblemático caso do ex-vereador, prefeito de Campo Grande, deputado federal pelo então Mato Grosso e ex-ministro da Saúde, Wilson Fadul.

O médico-político, durante a Ditadura, sumiu, por quase duas décadas, não havia identidade oficial dele por determinação da Marinha. Era como não existisse. Causa: o ex-prefeito de Campo Grande (1953-1955) era um dos principais aliados de João Goulart, então presidente do Brasil quando instalado o regime opressor.

O histórico de Fadul é narrado num artigo da doutora em História, Suzana Arakaki, da UEMS (Universidade do Estado de Mato Grosso do Sul).

Então ministro da Saúde, Fadul foi exonerado do cargo já na imposição da Ditadura. Ele retornou ao Congresso, onde exercia mandato de deputado federal pelo então Mato Grosso (estado separado em 1977, daí surge Mato Grosso do Sul).

Já no dia 9 de abril de 1964, o governo ditador cassou 50 dos 409 deputados federais de 17 dos 22 estados brasileiros, escreveu a doutora Suzana. Além dele foram cassados os também parlamentares à época, Wilson  Barbosa Martins e Nelson  Trad.

A doutora cita ainda no artigo que, “após ter seu mandato cassado Wilson Fadul foi preso várias vezes. Isso até 1969, quando foi dado oficialmente morto pelo governo militar. Esse assassinato civil o impediu de qualquer ato e durante dez anos – de 1969 a 1979 -, sua mulher recebeu pensão como viúva de um militar da Aeronáutica. Fadul [filho de Fadul] afirma que a mãe nunca recebeu atestado de óbito desse “assassinato civil”, tudo foi feito dentro da Aeronáutica. Wilson Fadul só foi “ressuscitado” em 1979 com o advento da anistia”.

Depois, ele retomou a patente de oficial na Aeronáutica. O ex-prefeito de Campo Grande morreu em 2011, aos 91 anos de idade.

OUVINTE DE RÁDIO
Dermeval Ramos da Rocha, então com 45 anos de idade, era radiotelegrafista da empresa Correios e Telégrafos e foi detido logo depois do golpe de 1964. O motivo teria sido um costume noturno seu o de ouvir um programa de rádio conduzido por Leonel Brizola [ex-governador do RJ, morto em 2004], que era cunhado João Goulard. Brizola, que também governou o RS, fazia periódica campanha contrária ao regime militar.

Rocha foi detido por outras vezes, segundo a família, mesmo argumento: o de ouvir Brizola. Todas as prisões foram feitas por militares do Exército e o radiotelegrafista, que morreu em 1996, aos 77 anos, era levado para a prisão em jipes do Exército. Parentes dele nunca receberam indenização pelas arbitrárias detenções, como ocorrera com outras vítimas do regime repressor. A família do ex-deputado federal Nelson Trad, por exemplo, foi ressarcida pela cassação dos direitos políticos do parlamentar.

NAVIO E ÍNDIOS
Lairson Ruy Palermo, outro preso durante o regime da ditadura, que chefia o Comitê da Verdade, Memória e Justiça de Mato Grosso do Sul, toca hoje alguns processos judiciais de vítimas do regime.

Ele que calcula que ao menos mil pessoas sofreram aqui em MS violações de direito durante o período do golpe. Um dos casos ocorreu num navio da Marinha, em Corumbá. O local servia como uma espécie de cadeia e os detentos, segundo o processo, eram estudantes, políticos, empresários e trabalhadores que torciam contra os militares. Dentro do navio ocorriam torturas.

Índios que habitam aldeias em MS também foram afetados pelo regime. À época, segundo relatos deles, “eram atacados por tiros e balas”. Terras indígenas eram demarcadas e depois dominadas por fazendeiros por meio de decretos estaduais.

FOGOS
O regime militar já era estruturado em 1961, ano em que o então presidente da República, Jânio Quadros, campo-grandense nascido em 1917 e morto em 1992, aos 75 anos. Já neste período, autoridades da Capital sul-mato-grossense, já lidavam como censuradores de pessoas com ideais socialistas, por exemplo.

Em 1962, um grupo de bancários, estudantes, locou um veículo Kombi para passearem nas principais ruas de Campo Grande. Soltaram fogos no trajeto. Foram logos detidos porque a polícia soube que a euforia teria a ver com uma homenagem que os rapazes fazia. Eles estavam festando o aniversário de Luís Carlos Prestes, político, comunista.

À época, o grupo só foi solto depois da intervenção de advogados, o ex-governador de MS, Wilson Barbosa Martins, morto neste ano, aos 100 anos.

FUGA
Assim que imposta a ditadura militares armados com  fuzis invadiram a sede da redação do jornal Democrata, que funcionava na Avenida Maracaju, em Campo Grande. O dono dele, José Roberto de Vasconcelos, o Vasco, que também foi vereador na cidade, seria preso, mas escapou pelos fundos do prédio, por meio de um canal instalado para a deslocação de água. O jornal combatia a ditadura.

Trecho do artigo da doutora Suzana, é citado um episódio envolvendo um amigo do jornalista Vasco, o então estudante de direito, Ricardo Brandão.

“… que era estudante do curso de direito na cidade do Rio de Janeiro, foi preso em Mato Grosso e conduzido para o Rio de Janeiro, onde permaneceu preso de maio de 1964 até 1969”.

Segue o artigo, “Olga Brandão, viúva de Ricardo Brandão lembra que antes da prisão, ele e mais integrantes da UNE foram perseguidos na sede da entidade estudantil:
[…] ele estava no prédio da Une quando a polícia foi prender os estudantes que se encontravam no prédio. Ele pulou dois andares do prédio e quebrou os pés e teve que se esconder até sarar. Quando ele pode caminhar, veio para o Mato Grosso […] e ficou escondido numa chácara […].

Um dia ele saiu para passear […] e o Exército o prendeu. Olga Brandão lembra que o marido foi preso por oficiais do Exército, pela primeira vez, na Praça Ari Coelho, em Campo Grande. Ficou só de cuecas numa cela e ficou doente. Gripe, tosse e por fim uma tuberculose, ele só não morreu porque foi socorrido por outro preso político, o médico Alberto Neder, preso na cela vizinha.

Ficou alguns meses preso em Campo Grande e depois foi mandado para Guanabara, por pertencer ao Partido Comunista e ser um líder estudantil e ativista assumido contra o que estava acontecendo no país”.

Ricardo Brandão tornou-se depois presidente a OAB-MS e hoje virou nome de rua em Campo Grande.

À época do surgimento do regime prefeitos, vereadores de cidades MS, e deputados estaduais, tiveram os mandatos cassados por discordarem da linha política da

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